Entrevista Charles Burstone - Arco Segmentado

A técnica do arco segmentado foi proposta por Charles Burstone em meados da década de 70 que, além de grande entusiasta dos conceitos biomecânicos em ortodontia, é um grande pesquisador de ciência metalúrgica, tendo contribuído para o desenvolvimento dos fios de níquel-titânio chineses. Além do aprimoramento técnico do arco segmentado, desenvolveu os fios de TMA (Beta-titânio), é pesquisador da Universidade de Connecticut, e também Consultor Científico da ORMCO. Durante a realização do 1º Congresso da Associação Brasileira de Ortodontia em São Paulo tivemos a oportunidade de participar do curso ministrado pelo Dr. Burstone, o qual demonstrou todo o seu conhecimento no que diz respeito ao arco segmentado e à biomecânica.

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A Revista Dental Press de Ortodontia e Ortopedia Maxilar, juntamente com a participação de renomadas personalidades da Ortodontia realizou uma entrevista, gentilmente concedida pelo Dr. Charles Burstone, durante sua estada no Brasil.

1. Dr. Miguel Neil Benvenga – Na sua opinião, qual a relação entre o nível de força aplicada a um dente e a ocorrência de reabsorção radicular?
Dr. Burstone – Existem pesquisas biológicas em animais de laboratório que demonstram que em áreas sob alta pressão pode ocorrer reabsorção radicular, particularmente no ápice. A movimentação dentária, tal como a intrusão, onde as forças são muito pesadas ou não há controle da inclinação, que também produz muita força no ápice, pode gerar reabsorção radicular. No entanto, deve-se lembrar que a reabsorção radicular tem causa multifatorial. A força não é o único fator que pode levar à reabsorção.

2. Dr. Miguel Neil Benvenga – Quais são as vantagens biomecânicas dos arcos TMA comparados aos arcos de aço inoxidável e os de liga Elgiloy?
Dr. Burstone – O TMA é diferente tanto do aço inoxidável como do Elgiloy, similares quanto às propriedades mecânicas. O Elgiloy aplica uma força ligeiramente maior que o aço inoxidável, mas para a maioria dos objetivos práticos, as duas ligas são substituíveis. O fio de TMA com a mesma secção transversal aplica somente 40% da força e pode ser defletido cerca de 2,5 vezes mais sem deformação permanente. Ele é um fio altamente flexível e ainda pode ser utilizado em aplicações onde são necessárias dobras e alta resiliência.

3. Dr. Omar Gabriel da Silva Filho – Em sua opinião, qual a porcentagem de casos clínicos tratados com técnicas de arco contínuo cuja finalização estaria comprometida pelos inconvenientes da mecânica de arco contínuo?
Dr. Burstone – Uma das vantagens dos braquetes pré-torqueados é que um fio relativamente “reto” pode simplificar os estágios finais ou a finalização do caso. Quando se fala de finalização, está se falando de movimentação dentária pequena. Em situações nas quais há uma movimentação dentária grande, podem haver efeitos colaterais indesejáveis quando da utilização de um fio reto. Por exemplo, problemas de inclinação axial mesiodistal geram efeitos colaterais que podem ser reversíveis ou irreversíveis, mas que certamente prolongariam o tempo de tratamento. O mesmo seria verdade para as inclinações axiais inadequadas dos incisivos superiores que também são muito verticais. O torque aplicado a um fio reto poderia deslocar todo o arco superior para frente e potencialmente acentuar o plano oclusal. Muitos ortodontistas gastam tempo demais finalizando casos e uma razão para isto é que há muitos efeitos colaterais a serem corrigidos.

4. Dr. Omar Gabriel da Silva Filho – Quais seriam as situações clínicas que uma mecânica de arco contínuo estaria contra-indicada?
Dr. Burstone – Alguns casos são muito simples e necessitam de pouquíssimo alinhamento dentário e controle da ancoragem. A correção pode ocorrer através da mecânica intermaxilar tal como a utilização de ancoragens extrabucais, elásticos Classe II ou aparelhos funcionais. Estes casos são facilmente tratados com fios “retos”. A ortodontia de orientação mais moderna requer o desenvolvimento de um plano biomecânico. Geralmente, os melhores planos biomecânicos necessitarão de um certo tipo de design ou configuração de aparelho. A mecânica do tratamento nestes pacientes necessita mais do que fios retos.

5. Dr. Leopoldino Capelozza – Os recursos mecânicos que o senhor advoga podem ser utilizados com braquetes programados, introduzidos originalmente para a técnica do straight-wire? Quais seriam as situações mais frequentes?
Dr. Burstone – A segmentação pode ser muito útil na correção de sobremordida profunda seja pela intrusão do incisivo ou pela extrusão dos dentes posteriores. Os pacientes que necessitam de extração, particularmente quando não se pode perder a ancoragem e sua cooperação é pequena, podem ser beneficiados pelo controle da força durante o fechamento do espaço. As assimetrias necessitam de mecânica unilateral e uma compreensão da biomecânica com o design apropriado de aparelho.

6. Dr. Joel Rosa Martins – Quais são as diferenças entre a intrusão dos incisivos proporcionada pelo arco base de Ricketts e a intrusão pela técnica do arco segmentado de Burstone?
Dr. Burstone – Os arcos de intrusão que desenvolvi nos anos 50 foram posteriormente modificados por Ricketts no que foi chamado de arco utilidade. O princípio básico do arco de intrusão é ser aliviado nos caninos e aplicar, por exemplo, 40 a 60g nos quatro incisivos superiores. A chave para uma intrusão bem sucedida é medir cuidadosamente a força e dispor de um mecanismo previsível. Infelizmente, o arco utilidade comete vários erros sérios ao buscar este objetivo. Primeiramente, o fio é inserido nos braquetes dos incisivos. Devido ao torque imprevisível, fica então impossível saber qual a magnitude da força e, normalmente, ela é muito mais pesada do que o previsto. Em segundo lugar, o que tem sido esquecido é medir cuidadosamente o sistema de força que obviamente seria desconhecido porque o fio está inserido nos braquetes. A diferença básica é o sistema direciondo pela força contra um sistema no qual o sistema de forçaé imprevisível. Desde que forem utilizadas forças pesadas, os efeitos colaterais indesejáveis observados irão inclinar os molares. A ancoragem, incluindo o controle da largura, é alcançada com meus procedimentos de arcos linguais e segmentos posteriores de estabilização.

7. Dr. Luiz Gandini – Quais as principais vantagens da utilização da técnica do arco segmentado em relação às técnicas que utilizam arcos contínuos?
Dr. Burstone – É verdade que os procedimentos que utilizo são conhecidos como a técnica do arco segmentado. Num certo sentido, a utilização do termo técnica é infeliz porque eu me oponho a abordagem da técnica para a ortodontia. Minha abordagem para o tratamento é primeiro estabelecer os objetivos do tratamento, ou seja, onde queremos que os dentes e ossos fiquem num espaço tridimensional, então estabelecemos uma sequência de tratamento, e após isto, um plano biomecânico individual. Só então começamos a planejar nosso aparelho ortodôntico. Muitas vezes para alcançar os objetivos do tratamento, os fios podem ser segmentados e muitas vezes, não. Reformulando a pergunta, a vantagem de se aplicar biomecânicas à ortodontia é que iremos alcançar nossos objetivos de tratamento mais rápida e eficientemente com poucas horas de consultório. Além do mais, nossos objetivos de tratamento podem ser os mais altos na ortodontia. Se tudo o que soubermos for braquetes e fios retos, certamente esta será uma abordagem limitada ao tratamento clínico.

8. Dr. Maurício T. Sakima – Como se controla a intrusão dentária ou a abertura do plano mandibular na verticalização dos molares?
Dr. Burstone – Se estivermos por exemplo inclinando um molar inferior para distal e utilizando um arco de intrusão de três peças, normalmente é necessário colocar a força anteriormente através do centro de resistência dos incisivos para que eles não protruam. No molar, além do momento de inclinação da coroa para distal, há uma força extrusiva que poderia provocar uma abertura da mandíbula. Com um arco de intrusão tipo três peças, a distância entre os incisivos e os molares geralmente é grande o suficiente para minimizar alguma extrusão. Se todo um segmento posterior estiver incluído, a extrusão na região de pré-molar pode ser grande o suficiente para girar a mandíbula para baixo e para trás. Para os indivíduos em crescimento isto pode não ser um grande problema. Se alguém quiser inclinar um molar para trás sem a força extrusiva, há algumas possibilidades utilizando-se diretamente uma ancoragem extrabucal.

9. Dra. Terumi Okada – O senhor poderia citar as diferenças básicas no controle mecânico quando da utilização de arcos linguais e barras palatinas convencionais (fios redondos) comparados aos fios quadrados (fios TMA 0.32 x 0.32 com tubos e encaixes de precisão)?
Dr. Burstone – Antigamente eu recomendava e utilizava um fio .036” lingual de aço inoxidável e arcos palatinos nos tubos. Em comparação, utilizando braquete de precisão .032” x .032”, o conforto e tolerância do paciente ao braquete e a facilidade de fabricação são melhorados. Os arcos linguais podem ser facilmente inseridos e removidos, rapidamente confeccionados e ativados com precisão. Além do mais, podemos preencher o slot e usar uma combinação de fio redondo .032” ou quadrado .032” x .032” seja de aço ou TMA. Assim, podemos ter uma faixa maior de precisão com ou sem torque com magnitudes variadas de força. Os fios de aço mais antigos obviamente que eram muito rígidos e não podiam ser usados com eficiência por exemplo para movimento de rotação dos primeiros molares superiores.

10. Dr. Maurício T. Sakima – A técnica do arco segmentado tem se mostrado extremamente científica, utilizando forças leves e constantes e com ótimo controle dos movimentos dentários. Como o senhor explicaria a baixa popularidade da técnica na ortodontia mundial?
Dr. Burstone – Como mencionei anteriormente, se há um tema do qual tenho pensado, recomendado e praticado, este é o da aplicação da ciência à ortodontia clínica. Isto significa primeiramente desenvolver um plano de tratamento baseado nos principais objetivos que desejamos para nosso paciente. Isto inclui a inclinação e o nível do plano oclusal, forma e largura do arco, posição ântero-posterior dos incisivos, posição da linha média dentária, entre outros. Só depois disso é que a biomecânica é planejada. Como parte da biomecânica, há mecanismos especiais que recomendamos tais como arcos segmentados, certas dobras em arcos contínuos e arcos linguais. Com o passar dos anos, uma porcentagem maior de ortodontistas aceitou estas idéias e as estão aplicando em suas clínicas. Estou muito orgulhoso por muitos de meus alunos terem se tornado ortodontistas proeminentes e poderem ser freqüentemente ouvidos na em conferências na comunidade acadêmica. Outras técnicas incorporaram estes princípios. O aspecto inconveniente desta abordagem para a ortodontia, que é uma abordagem à mentalidade, é que ela necessita de um entendimento básico da ortodontia clínica, que vai além de técnicas e aparelhos. É muito mais fácil para um ortodontista destreinado simplesmente colar braquetes e inserir alguns fios retos, e talvez, alguns elásticos intermaxilares. Desenvolver um plano de tratamento tridimensional, entender a biomecânica e desenvolver um plano biomecânico individualizado e daí planejar um aparelho para o tratamento, requer um nível diferente de sofisticação. É verdade que nem todos os ortodontistas no mundo alcançaram este nível. Não estou sugerindo que todo ortodontista deva usar a mecânica que eu uso; no entanto, seria difícil argumentar que ele deva ter a boa compreensão da biomecânica e ser capaz de planejar individualmente seu aparelho. Nada é mais triste do que conhecer um ortodontista que se apresenta e diz que usa a técnica X ou Y. Isto é o mesmo que encontrar um médico que diz que receita comprimidos vermelhos. É muito ruim que ainda haja muita técnica e prescrição de aparelhos na ortodontia. Os cursos de ortodontia estão melhorando, mas alguns não estão ensinando adequadamente biomecânica e planejamento de tratamento.

11. Dr. Kurt Faltin Jr. – Quanto de força o senhor recomenda para intrusão dos incisivos superiores e inferiores? Por quê? Esta recomendação se baseia em pesquisas biológicas?
Dr. Burstone – Alguns anos atrás, um de meus alunos, Gene Dellinger, demonstrou em pré-molares de macacos que se você aumenta a força durante a intrusão, os incisivos não intruirão mais rapidamente, mas sim, que você obterá reabsorção radicular. Tentamos manter o nível de força baixo o suficiente para intruir eficientemente os incisivos e minimizar a reabsorção radicular. Um de nossos alunos em Connecticut, Gottleib, demonstrou que com valores de força entre 40 e 60g nos quatro incisivos, a velocidade de movimentação dentária era ótimo. Outros estudos na Universidade de Connecticut demonstram que com estas forças baixas há pouca reabsorção radicular.

12. Dr. Adilson Luiz Ramos - O que o senhor recomendaria quanto às possíveis alterações no plano oclusal resultantes do tratamento ortodôntico e do tratamento ortodôntico-cirúrgico combinado?
Dr. Burstone – A posição e inclinação do plano oclusal são cuidadosamente planejadas em pacientes que necessitam de tratamento ortodôntico bem como tratamento ortodôntico-cirúrgico combinado. O planejamento da oclusão se baseia no plano natural da oclusão (onde os dentes posteriores estavam originalmente), no plano estético da oclusão, (o que seria estético na relação do incisivo superior com o lábio), na relação entre as dobras mucovestibulares e a gengiva inserida, o efeito do plano oclusal sobre a relação AB e os fatores que refletem a oclusão funcional. Em geral, as mudanças na inclinação do plano oclusal podem levar a problemas de instabilidade do caso finalizado.

13. Dr. José Eduardo Pires Mendes – Como um dos pioneiros da Mecânica do Arco Segmentado e dos sistemas de Força Leve na ortodontia e comparando a Mecânica do Arco Segmentado e a Técnica do Arco Contínuo, como o senhor avaliaria onde a Aplicação da Forçaé melhor controlada?
Dr. Burstone – Para se alcançar os objetivos do tratamento, o fundamentalé produzir o sistema de força desejado. Algumas vezes, isto pode ser feito com um arco contínuo, outras vezes com um arco segmentado. Não é o arco, é o tipo de ativação colocada no arco ou no fio.É verdade que é difícil um arco contínuo produzir um sistema de força correto e previsível uma vez que temos interfaces braquete/fio produzindo um sistema de força em cada braquete. Como afirmamos anteriormente, não devemos pensar em técnicas. As técnicas se referem ao passado da ortodontia quando ela era puramente uma arte. Hoje, devemos imaginar onde queremos que os dentes fiquem e planejar o aparelho adequado para oferecer o sistema de força correto para fazê-lo. Colocar cegamente segmentos de fios ou fios contínuos, certamente é não olhar para o futuro.
Tradução:
 Maria Alexandra Palma Contar Grosso
Revisão Científica; Dra. Luciane Maeda
Consultoria; Dr. Tatsuko Sakima
Fonte : http://www.raquelsakima-ortodontia.com/trat-burstone.htm
Revista Dental Press de Ortodontia e Ortopedia Maxilar, Volume 2, Nº6. Novembro/Dezembro, 2007.

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